Quem está acompanhando as movimentações no Ministério Público nos últimos dias já deve saber do que esse texto irá tratar. Mas, caso ainda não saiba, na última segunda-feira (29) o MP acatou o pedido da Ação Civil Pública da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) contra diversas empresas da indústria de games para impedir a venda e propagação de uso das loot boxes no Brasil.
Outros países, como Holanda e Bélgica, já adotaram certas medidas para evitar essa proximidade de jogos de azar dentro dos games atuais. E apesar da proibição, cada desenvolvedora e publisher se adaptou da maneira que julgaram ser melhor – e até jogos da mesma produtora usaram formas diferentes para lidar com a situação.
Mas afinal, caso de fato ocorra, o que essa proibição no Brasil pode mudar nos games e para as desenvolvedoras de jogos?
Valve/Reprodução
Inicialmente, é provável que veríamos mudanças de tática que ocorreram mundo afora chegando aqui, como o exemplo da Valve com Counter-Strike:Global Offensive, em que foi lançada uma “skin” da arma P250 chamada X-Ray, sendo possível usá-la para ver o que tem dentro das caixas e, assim, não se tornando uma loot box propriamente dita.
Porém, para contornar um pouco a lei, você só pode usar novamente o item depois de abrir a caixa em que você já descobriu o item dentro – independente de ser bom ou ruim.
Ainda falando da Valve, mas desta vez com DOTA 2, a empresa optou por uma maneira diferente de lidar com a proibição: eles retiraram a opção de abrir diversas caixas ao mesmo tempo, e removeram a animação de abertura, que era literalmente um grande cassino de skins, apologia mais do que clara aos jogos de azar.
Já em jogos como FIFA e Overwatch, a solução mais viável para a EA e Activision Blizzard foi remover completamente a opção de compra das moedas internas com dinheiro. Essa escolha acaba sendo facilmente burlada, principalmente dentro do cenário competitivo de FIFA, onde os jogadores precisam investir um grande valor para conseguir os melhores jogadores. O principal método para burlar a proibição nessas circunstâncias é utilizando uma VPN para mudar a localização e assim realizar a compra.
No caso dos jogos mobile a situação muda um pouco de figura, não por se tratar de um menor investimento por parte dos jogadores, mas sim porque as compras são oferecidas de forma opcional.
Em sua grande maioria, os jogos mobile utilizam um formato de distribuição freemium, onde a maior parte do conteúdo é acessível de forma essencialmente gratuita, mas um investimento em microtransações pode acelerar o progresso, melhorar a experiência ou até mesmo tornar acessível parte de um conteúdo que, apesar de estar disponível no jogo, é extremamente difícil ou exige muita sorte para ser completado sem que o jogador coloque dinheiro real.
De maneira geral, a simples aquisição de um passe de batalha ou um pack de iniciantes já libera praticamente todas as ferramentas essenciais para que o jogador médio consiga se divertir sem nunca mais precisar colocar dinheiro no jogo. A prática é considerada relativamente justa se levarmos em conta que o valor desses pacotes costuma ser bem inferior ao de jogos de console, por exemplo, e as loot boxes servem apenas como uma forma de liberar novos personagens ou equipamentos mais rápido.
miHoYo/Divulgação
Um dos maiores fenômenos do mundo dos games nos últimos tempos, Genshin Impact, da miHoYo, se encaixa num caso particular: diferente de outros jogos, a aquisição de novos personagens – parte essencial da experiência do jogo – é exclusivamente via loot boxes que exigem um fator de sorte quase punitivo dado os ratings para conseguir os personagens mais raros, enquanto em outros jogos é quase sempre possível conseguir qualquer personagem apenas jogando.
Se compararmos ainda as situações esporádicas em que personagens específicos ou loot boxes gratuitas são distribuídos como recompensa de eventos, Genshin também fica atrás inclusive de outro jogo da mesma desenvolvedora, Honkai Impact 3rd, representando um ponto fora da curva mesmo para jogos gachapon.
A lei de proibição de loot boxes em alguns países atende somente a venda desse tipo de produto in-game, mas aquelas que você recebe gratuitamente dentro dos jogos são permitidas.
Aqui no Brasil, se ocorrer algo semelhante, as primeiras medidas tomadas pelas desenvolvedoras devem ser bastante semelhantes a essas que já ocorrem pelo mundo, mas também já podemos ter alguma ideia do que esperar da indústria caso os banimentos continuem pelo mundo, e nem essas formas de lidar com as restrições serão suficientes.
Uma alternativa de arrecadar dinheiro ao invés das caixas pode ser visto em jogos como Fortnite, que já tem dentro de seu jogo um sistema de monetização baseado em venda de itens separadamente em sua loja, e também por meio do Passe de Batalha, uma alternativa vista muito mais bem aceita entre o público do que as loot boxes.
Vale notar que a produtora de Fortnite, a Epic Games, parece ter adotado esse método em toda a companhia: Rocket League parou de utilizar loot boxes e agora segue o padrão de Passes de Temporada e diferentes Temporadas após a compra do estúdio Psyonix.
De qualquer forma, esse processo no Brasil ainda está muito no início de sua discussão, mas ainda promete e com certeza teremos muito o que falar sobre.