Equipes de desenvolvimento estão paralisadas após repercussão das denuncias
O Department of Fair Employment and Housing (DFEH – Departamento de Emprego e Habitação Justos) do Estado da Califórnia está processando a Activision Blizzard dando sequência a uma investigação que já segue por dois anos após denuncias sobre assédio sexual e condições injustas de trabalho para mulheres.
A gigante que nasceu da Blizzard North, criadora das franquias Diablo e Warcraft já vem sendo alvo de críticas e se envolvendo em diversas polêmicas relacionadas tanto à postura da empresa frente à comunidade quanto suas políticas internas e de relações públicas desde a sua aquisição pela Activision em 2008, que de maneira recorrente vê decisões executivas sendo impostas a despeito dos oito valores enfatizados em sua página que descreve a empresa:
- Jogabilidade em Primeiro Lugar;
- Comprometimento com Qualidade;
- Jogue Bem; Jogue Justo;
- Abrace seu Geek Interior;
- TODAS AS VOZES IMPORTAM;
- Aprenda e Cresça;
- Pense Globalmente;
- LIDERE COM RESPONSABILIDADE
Ao longo dos últimos anos a empresa vem sendo alvo de críticas por diversos escândalos como o banimento de pró-player de Hearthstone Ng “Blitzchung” Wai Chung em 2019 por ter se posicionado em relação aos protestos de Hong Kong e o suposto envolvimento de seu CEO, Bobby Kottick, no caso Jeffrey Epstein com outros nomes importantes como Bill Gates e Donald Trump.
Em meio a tantas polêmicas, denuncias de funcionárias e ex-funcionárias da Activision Blizzard desencadearam uma investigação em 2019 sobre as condições de trabalho dentro da empresa, e após dois anos, o DFEH da Califórnia está movendo uma ação cível contra a empresa por proporcionar um ambiente de trabalho, não apenas com condições desiguais para as mulheres, com salários inferiores, mas também legitimamente tóxico, com casos de assédio, humilhação pública, acumulo de funções, e inclusive um caso grave sucedido de suicídio.
Relatos de depoentes apontam que a dinâmica do ambiente de trabalho muitas vezes era comparável à de republicas universitárias estadunidenses, com atividades degradantes como consumo de álcool, comportamentos abusivos para com as funcionárias mulheres, comentários depreciativos e machistas, lactantes sendo expulsas de salas de amamentação para que colegas homens realizassem reuniões e a lista não para.
Uma das funcionárias, inclusive, se suicidou durante uma viagem de trabalho com seu supervisor após ter sido assediada sexualmente e com fotos intimas enviadas a colegas de trabalho durante uma festa de fim de ano da empresa.
O escândalo que já vem sendo amplamente divulgado pela imprensa e redes sociais levou a comunidade de jogadores de World of Warcraft a conduzirem um protesto dentro do MMORPG na última quinta-feira (22), com centenas de jogadores cobrando, além de um posicionamento da empresa frente as acusações, uma mudança drástica na cultura abusiva dentro da Activision Blizzard, e também arrecadando doações para a ONG Black Girls CODE.
Em entrevista ao site Polygon, a jogadora Hinahina Gray se pronunciou afirmando que muitos membros das comunidades estão cogitando abertamente abandonar o jogo e essas comunidades que levaram tanto tempo e investimento emocional para serem estabelecidas. Muitos jogadores e jogadoras procuram buscar refúgio de comportamentos tóxicos desse tipo dentro dessas comunidades, mas não se sentem mais confortáveis em continuar dando apoio a uma empresa que favorece justamente aquilo do que elas buscam esse refúgio.
Apenas após Michael Morhaime, cofundador e ex-CEO da Blizzard se disse envergonhado por ver a empresa que ajudou a criar e da qual foi CEO até 2018 sendo processada por acusações tão graves quanto essas, e se posicionou, tendo pedido desculpas às mulheres por ter tentado e falhado em criar um ambiente que fosse “seguro e acolhedor para todos os gêneros e origens”.
Créditos: Daniel Trefilio / Tweetlonger
O processo, que tem mais de 29 páginas descrevendo uma infinidade da abusos terríveis, aponta também que aproximadamente apenas 20% dos funcionários da empresa são mulheres, e raramente algumas delas conseguem alcançar algum cargos de liderança. É mencionando por nome como um dos assediadores J. Allen Black, presidente da Blizzard que substitui Mike Morhaime em 2018 e ex diretor criativo de WoW, Alex Afrasiabi.
Com a abertura das informações sobre o processo contra a Activision Blizzard e toda a repercurssão de das acusações, diversas equipes dentro da companhia se mostraram extremamente insatisfeitas com o posicionamento da Blizzard, que através de um porta-voz buscou minimizar o peso das denúncias alegando “falta de contexto” e “distorção dos fatos” por parte da mídia, o que praticamente paralisou todo o desenvolvimento de World of Warcraft: Shadowlands e The Burning Crusade Classic. Isso muito provavelmente irá impactar a liberação de conteúdo para esses projetos e possivelmente outros da casa.
ATUALIZAÇÃO – 27/07
Na manhã de hoje (27), mais de mil funcionários da Activision Blizzard assinaram uma carta enviada aos gerentes da empresa, e compartilhada com o site Kotaku, repudiando a resposta oficial da Activision sobre o caso, julgando o posicionamento “abominável e insultante“. Mais de 800 funcionários da matriz da Activision Blizzard, bem como de todas as suas subsidiárias, se coordenaram para redigir durante o final de semana uma carta aberta a seus superiores.
O grupo que já recolheu mais de mil assinaturas está trabalhando nos próximos passos para deixar clara a posição dos funcionários frente, tanto ao processo que a empresa está sofrendo, quanto à posição oficial da Activision Blizzard. A íntegra da carta compartilhada com o Kotaku pode ser lida traduzida abaixo:
Aos Líderes da Activision Blizzard,
Nós, abaixo assinados, concordamos que as declarações da Activision Blizzard, Inc. e de seu advogado sobre o processo da DFEH, bem como a subsequente declaração interna de Frances Townsend, são abomináveis e insultantes a todos que acreditamos que nossa empresa deve defender. Para dizer de forma clara e inequívoca, nossos valores como funcionários não são refletidos com precisão nas palavras e ações de nossa liderança.
Acreditamos que essas declarações prejudicaram nossa busca contínua por igualdade dentro e fora da nossa indústria. Categorizar as alegações que foram feitas como “distorcidas e, em muitos casos, falsas” cria um ambiente de empresa que desacredita nas vítimas. Também coloca em dúvida a capacidade de nossas organizações de responsabilizar os abusadores por suas ações e promover um ambiente seguro para que as vítimas se apresentem no futuro. Essas declarações deixam claro que nossa liderança não está colocando nossos valores em primeiro lugar. Correções imediatas são necessárias do mais alto nível de nossa organização.
Pedimos declarações oficiais que reconheçam a gravidade dessas alegações e demonstrem compaixão pelas vítimas de assédio e agressão. Pedimos a Frances Townsend honre sua palavra para deixar o cargo de Patrocinadora Executiva da Rede feminina de funcionários da ABK como resultado da natureza prejudicial de sua declaração. Convocamos a equipe de liderança executiva a trabalhar conosco em novos e significativos esforços que garantam que os funcionários – assim como nossa comunidade – tenham um lugar seguro para falar [abertamente] e se posicionar.
Estamos com todos os nossos amigos, colegas de equipe e colegas, bem como com os membros de nossa comunidade dedicada, que sofreram maus tratos ou assédio de qualquer tipo. Não seremos silenciados, não ficaremos de lado, e não desistiremos até que a empresa que amamos seja um local de trabalho do que todos possamos nos sentir orgulhosos de fazer parte novamente. Nós seremos a mudança.
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